A terceira e última data da tour de Bispo pelos Coliseus foi muito mais do que um simples concerto. Depois de duas datas esgotadas, o rapper e cantor de Algueirão-Mem Martins fechou este ciclo com o pleno, e um espetáculo que serviu de retrospetiva aos seus 12 anos de carreira, celebrando com aqueles que sempre o acompanharam: os fãs, os amigos e os artistas que o ajudaram a construir este percurso. A noite não foi apenas sobre música — foi sobre pertença, crescimento e identidade.
O Coliseu dos Recreios transformou-se num palco onde passado e presente se cruzaram. À esquerda, uma tela projetava visuais que aprofundavam a narrativa das letras; à direita, uma parede de luzes pulsava em sintonia com o ritmo e as próprias letras de Bispo. Banhada pela luz, mas não totalmente ofuscada, a banda — composta por Arthur Mirandola na bateria, Ivo Magic no baixo, Jean Pimentel nas teclas, Pedro Guimarães na guitarra, Mimoso nos backs e Fumaxa nos samplers — ofereceu uma nova dimensão aos temas de Bispo, com arranjos e direção musical a cargo de Gui Salgueiro. De salientar também o trabalho realizado por Bruno Gião e André Tentugal, e toda a restante equipe técnica, que ajudou a formar os visuais e jogo de luzes que acompanhou a banda em todos os momentos.
Na plateia, o ambiente era de comunhão. Camisolas do Mem Martins Sport Clube, onde Bispo jogou na juventude, misturavam-se com t-shirts e hoodies com o lema “Mentalidade Free”, bem como com bandeiras e cartazes com mensagens de carinho e de apoio. A ligação de Bispo ao público é quase tangível e, ao longo do concerto, essa energia refletiu-se na forma como cada verso era cantado em uníssono, numa espécie de oração coletiva.
Bispo surgiu em palco com um novo visual — cornrows bem definidos — e, entre comentários da multidão, um amigo meu atirou: “Parece o Edward Norton no Stone.” Para além da semelhança estética, poderá também existir algo de simbólico nesta mudança. Talvez um presságio de que Bispo está prestes a entrar numa nova fase artística, talvez apenas um detalhe irrelevante. Mas, no contexto de um concerto tão introspectivo, é difícil não pensar que esta escolha tenha um significado mais profundo, ou quiçá um disco novo?
O palco, por sua vez, foi-se transformando ao longo da noite. Em momentos de maior reflexão, Bispo sentou-se num divã — uma referência ao seu primeiro álbum, Bispoterapia? —, reforçando a ideia de auto-análise e crescimento. Noutro instante, surgiu uma secretária, evocando os tempos em que, ao lado de Fumaxa, num estúdio improvisado no quarto, começou a traçar o seu caminho na música. Estas pequenas mudanças cenográficas não foram meros adereços, mas sim extensões da narrativa que Bispo quis contar.
O alinhamento do concerto misturou clássicos e temas mais recentes, mas sempre com um fio condutor: a partilha. Depois da intensidade de “Não Tou Sozinho”, Bispo sentou-se ao piano para tocar “Casa Portuguesa”, tema que levou ao Festival da Canção 2024. Seguiu-se uma surpresa — as teclas de marfim voltaram a soar, mas desta vez pelas mãos de Diogo Piçarra, que se juntou a Bispo para interpretar “Agradecido” e “Monarquia”. A sintonia entre ambos arrancou uma das maiores ovações da noite.
Mas os momentos altos não ficaram por aqui. Ivandro brilhou em “Essa Saia”, Sam The Kid trouxe o seu flow único em “Pormenores” e Van Zee veio retribuir o favor em “Benção”. Kappa Jotta, Bárbara Tinoco, Papillon e Gemiiny também marcaram presença, tornando este concerto numa verdadeira celebração de colaborações e amizades.
Para o final, ficou guardado o hino de encerramento perfeito: “Convívio Tá Fixe Assim”. O público, de punhos cerrados no ar, cantou cada palavra com a convicção de quem viveu aquelas letras. O Coliseu vibrava, quase como se as paredes também quisessem participar no refrão.
Bispo saiu de cena como entrou: fiel a si mesmo. Três datas esgotadas não são apenas um feito impressionante — são a confirmação de que o seu nome já faz parte da história do hip hop nacional. E, se há algo que esta noite deixou claro, é que o caminho que começou em 2725, Algueirão-Mem Martins, ainda tem muita estrada para continuar a andar.