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Fotografia: Raquel Almeida
Publicado a: 25/03/2025

Dar voz às inquietações.

BILOBA: “Queremos fugir sempre do que estão todos à espera”

Fotografia: Raquel Almeida
Publicado a: 25/03/2025

Em 2011, estreava nas salas de cinema o filme de Lars von Trier, Melancholia. Há quem diga que a ideia para a película foi inspirada na luta do realizador contra a depressão, e que Justine, a personagem principal, tinha um caráter autobiográfico. Prestes a celebrar o seu casamento, percebemos que Justine se encontra mergulhada numa angústia e apatia profundas, apesar de não compreendermos a verdadeira razão. Numa longa-metragem que nos deixa completamente imersos no desespero, Lars von Trier ensina-nos, progressivamente, a soltar aquilo que não podemos controlar, para nos agarrarmos ao que, à nossa volta, nos sacia: as pequenas e simples coisas da vida.

A mensagem de Sala de Espera, o recém-chegado primeiro álbum do grupo BILOBA — composto pelo baixista e vocalista Francisco Nogueira, pela vocalista Nazaré da Silva, pelos guitarristas Simão Bárcia e Diogo Lourenço, e pelo baterista Miguel Fernandez —, não foge a essa dose terapêutica e libertadora. Contudo, este é apenas um dos significados que do disco pode ser retirado. Francisco Nogueira regressa às páginas do Rimas e Batidas para definir o grupo não como um conjunto de “heróis”, mas sim um colectivo que quer dar voz às nossas inquietações, ou como eles chamam: “salas de espera”. Através de um jazz-rock pensado, irrequieto e por vezes dançável, vêm descomplicar os problemas que nos isolam um dos outros.



Disseste em entrevistas anteriores que o vosso processo criativo começava pelo “líder criativo”, que és tu. Para este álbum, o método manteve-se o mesmo?

Manteve-se. A direção da banda é que foi mais bem pensada. No primeiro EP [Biloba], tentei experimentar coisas com a banda, nas quais depois percebemos que não somos assim tão bons. Por isso, em Sala de Espera escrevi a pensar naquilo em que éramos realmente bons. Sabendo a direção em que queria ir com a banda, houve uma mudança no método de trabalho. 

E qual é que foi a mudança? 

Teve mais a ver com as referências. Ao conhecermo-nos melhor, comecei a perceber que deveria escrever partes que favorecessem as referências que eles já tinham. Por exemplo, não iria escrever uma linha de bateria no estilo metal, quando o Miguel [Fernandez] ouve mais hip hop. No entanto, o método criativo foi sempre o mesmo: escrevo em casa sozinho umas demos muito precárias, somente para eles terem uma ideia da estrutura da música. Eles aprendem as suas partes e depois trabalhamos nos ensaios. Apesar deles comporem muita coisa em casa, o esqueleto das músicas já existe. O facto de haver um líder — neste caso, eu, que escrevi a música e a letra — ajuda a não se perder tempo.  É a única parte em que posso não ser tão democrático. Todas as opiniões são válidas, mas se todas valerem o mesmo, corremos o risco de andar aos círculos. No entanto, cada um é muito criativo e todos exploram muito em BILOBA, apesar de terem os seus próprios projetos para o fazerem à sua maneira. Confio muito nas ideias deles, porque sabem mais dos próprios instrumentos do que eu. Este método permite-nos avançar com pouco tempo. Não somos uma banda como os Beatles, que ensaiava todas as semanas. Temos um concerto, ensaiamos três vezes e bola para a frente. Este método sempre nos permitiu andar mais rápido.

Dizes que têm pouco tempo porque cada um tem outros projetos prioritários. Porque é que pensas nos BILOBA como uma banda que não pode perder tempo? 

A perspetiva deles é óbvia: têm os seus próprios projetos que lhes são mais próximos. Aliás, nem eu gostaria de estar numa banda que ensaiasse todas as semanas. Seria horrível para mim, porque não tenho tempo para isso. No jazz, trabalha-se muito a capacidade de fazer um ensaio rápido e efetivo. Como somos todos músicos de jazz, trabalhamos mesmo no que é imprescindível para a banda resultar ao vivo.

Mas, se pudesses, farias de outra forma? 

Talvez. Mas, sendo sincero, se BILOBA também me ocupasse muito tempo — mais do que já ocupa — poderia desenvolver uma relação estranha. É um dos meus projetos favoritos e que me está mais próximo, porque sou eu que componho as músicas. Mas também gosto de manter alguma distância para que não ocupe muito a minha cabeça. Sou um gajo que se farta muito rapidamente das coisas. Se estivesse só a fazer BILOBA e não estivesse a tocar contrabaixo ou a compor, começaria a ganhar um rancor à banda.

Vocês disseram, na altura em que lançaram o primeiro EP, que já estavam a trabalhar em outras canções. Essas canções estão incluídas neste disco? 

Sim, muitas delas estão. Aliás, o nosso técnico de som até brincou com isso. Ele disse: “Já ouvi estas músicas todas. Não são músicas novas”. E é verdade, nós já tocamos estas canções ao vivo há muito tempo. Além disso, o EP atrasou-se por causa da pandemia, tornado tudo estranho: lançámos as músicas que já não eram tão novas, mas que para todos os outros eram novíssimas. O álbum também foi isso, mas as músicas foram escritas ao longo de dois anos. E, ao contrário do EP, em que não pensei tanto na estrutura, este álbum foi mais pensado. 

Achas que o disco é a continuação do EP?

Percebo que para muitas pessoas possa ser uma continuação, pois somos as mesmas pessoas, o criador é o mesmo. Por isso há um elo entre o EP e o álbum. Mas para este álbum tivemos de cortar um bocado com o que veio antes. Existia a sensação de uma pedra no sapato, de que o EP não tinha sido tão bem pensado; eram canções que eu gostava, por isso, juntei-as e dei ao grupo para as trabalhar, mas não existia um conceito definido. Agora quis fazer diferente, criar músicas com um propósito.

Qual é que é o propósito destas canções? 

Cada uma serve um propósito diferente. Em Sala De Espera, senti que queria falar e relacionar-me com alguém. “Quando For Para Ir” e o “Amor em Tempos de Guerra” são ótimos exemplos disso. Perguntava-me: “O que é que estamos todos a sentir?” Não queria estar sozinho na música que faço, e esse foi o grande propósito deste álbum: buscar diferentes angústias e estados de espera em diferentes temáticas que sejam comuns a todos. 

Achava que a “Quando For Para Ir” era mais uma perspetiva pessoal, referente aos tempos em que estiveste nos Países Baixos.

Completamente. Sinto que só consigo escrever do que sei e do que sinto. No entanto, o tema da crise da habitação toca a toda a gente. Pensei neste assunto porque também andava a namorar a ideia de sair de Portugal, porque é difícil viver aqui sendo músico. Tenho quase 30 anos, e só consegui sair da casa dos meus pais há um ano.

Uma mudança notória do EP para o álbum é o vosso lado instrumental. Antes ouvimos uns BILOBA mais punk e melancólicos, mas neste disco ouvimos um rock mais leve e pensado. Dou o exemplo da “Amor em Tempos de Guerra”. O que é que vos fez tomar essa decisão?

Foi um bocado o que te disse há pouco. Comecei a ver que esta banda era mais forte e tinha algumas referências que serviam melhor aplicadas noutros estados de espírito. Por exemplo, esse grunge melancólico era fixe, mas eles são muito melhores nisto. Por isso, foi uma mudança que queria muito experimentar. A “Amor em Tempos de Guerra” foi dos últimos temas que escrevi para o álbum, porque foi muito cirúrgico. Queria fazer um single em que a malta batesse o pé e experimentar como é que os BILOBA se safavam neste contexto, sem que deixassem de ser os BILOBA. Corremos esse risco e correu bem. É isso que quero manter com os BILOBA: fugir sempre do que estão todos à espera. Vamos tentar que isto seja um mote e não dar uma previsibilidade do que vem aí. Odiava fazer música nova em que a malta dissesse: “Isto está um Sala de Espera 2.0”. Isto aplica-se a outras bandas e a outras influências também. Odiava que me dissessem que somos iguais a uma banda qualquer. O objetivo é não ser igual, porque já existe.

O instrumental está muitas das vezes em sincronia com a letra. O que é que veio primeiro, a letra ou o instrumental? 

Tenho uma maneira de compor que também já vai a tempo de ser desafiada. Estou muito confortável aqui, é sempre assim que eu escrevo, porque vi um dos meus grandes heróis, o Manel Cruz, numa entrevista a falar que da forma com ele arranjava letra e eu comecei a usar a mesma estratégia. Ele compõe a harmonia, depois compõe a melodia, isto tudo da maneira mais intuitiva possível. E a letra que ele não tem, começa a improvisar. Por exemplo, se cantar um “vou buscar os peixes” e soar bem na melodia, mesmo que não tenha sentido, ele rouba o “vou buscar os peixes”, e escreve.

Dizes que o Sala De Espera foi um disco feito para as pessoas, mas referes-te em muitas canções ao “tu” como um meio de escapatória. A quem te referes: aos ouvintes ou alguém em concreto? 

Nunca tinha pensado nisso. O “tu” muda de música para música. Por exemplo, em “Amor em Tempos de Guerra”, o “tu” era a pessoa com quem estás apaixonada. Declaras um amor a uma pessoa que sabes que não vai estar daqui a um dia. Não é o ouvinte, não sou eu, mas os outros em que se pode ver um reflexo. O ouvinte pode estar presente na “Hoje Não é Ontem”, mas acaba sempre por ser um dedo apontado para os ouvintes e os outros três apontados para mim. Ou seja, posso ser eu a falar comigo mesmo. O “tu” é um bom ponto de interrogação e deixamos assim.



Queria que me explicasses o que é que significa o conceito de Sala de Espera? E porque é que a faixa que dá o nome ao álbum é a única sem letra?

O conceito não surgiu inicialmente pela palavra “sala de espera”. O nome surgiu depois. “Sala de Espera” é um interlúdio do álbum, uma música que ficou esquecida no meu Logic durante anos. Não passava apenas de um beat que fiz às três da manhã, sem grandes intenções. O beat transmitia mesmo a sensação de estar numa sala de espera, até porque não tem letra. Dá a impressão de que algo está prestes a acontecer. Lembro-me de sentir isso quando o ouvia, e de o adorar precisamente por ser diferente das outras faixas. O tema nasceu quando, um dia, lembrei-me dele e trouxe-o para um ensaio dos BILOBA. Foi nesse momento que pensei: Sala de Espera. Sem estar planeado, o álbum acabou por se chamar assim. Depois, comecei a perceber que a “sala de espera” era um conceito presente em todo o disco. Essa ideia de estar à espera de algo maior, de um futuro que ainda não chegou. “Será que um dia vou ter a minha própria casa e sair da casa dos meus pais?” A “sala de espera” representa isso: o intervalo entre onde estamos e onde queremos estar. Aplica-se a tantas coisas — à incerteza sobre o futuro, ao estado do mundo, à guerra. “Será que um dia estaremos em paz? Será que posso ter filhos sem medo de os lançar numa guerra ecológica? Será que essa dúvida vai acabar?”

E achas que depois deste álbum conseguiram sair das vossas salas de espera? 

Ah! Não, mas conseguimos dar voz. Percebemos que estávamos numa sala de espera, mas não conseguíamos dar-lhe um nome. Não tento ser um Zeca Afonso ou um José Mário Branco. Achava que talvez conseguisse, mas vejo essa força noutras pessoas. O Zé Mário Branco, por exemplo, é um verdadeiro herói para mim, mas não sinto que tente ser isso para os outros. Se alguém ouvir as minhas músicas e sentir que não está sozinho, então já valeu a pena.

No entanto, no vosso comunicado de imprensa, dizes que para a composição da canção “Amor em Tempos de Guerra” inspiras-te no filme Melancholia do Lars von Trier. Nessa canção, sinto que tentaram passar a mensagem de que devemos agarrar-nos às pequenas coisas, como o amor.

Se houver uma pessoa, como tu, que sinta isso, o propósito do álbum foi cumprido. Nunca ambicionei com as músicas fazer o que o José Mario Branco faz comigo. Não escrevi as músicas com algum propósito de heroísmo.

A “Sala De Espera” está mais ou menos no meio do disco. A posição da faixa é propositada? 

Por acaso, tenho tido um bom feedback sobre a escolha das faixas, mas a ordem das canções move-se consoante o que é que estás a sentir numa música e o que é que vais sentir na próxima. O início, o meio e o fim são sempre importantíssimos. Apesar de ser importante que a “Sala De Espera” esteja no meio, porque não só é o que dá o nome ao álbum e ao conceito, não serve como separador. Eu sei que existem muitos artistas que colocam certas músicas como interlúdios. Mas neste sentido, não. As músicas estão coesas num bloco e ela está ali no meio quase a servir o seu conceito.

Em “Cores”, quando cantam “É que há cores que eu nunca vi / E vidas por viver / Mas não esperes por mim / Prefiro ir a não saber”, o que é gostarias de arriscar?

Por acaso é engraçado, que ainda não falaram muito dessa canção. Escrevi-a quando estava a explorar a monogamia. Prefiro ir e experimentar várias coisas, a nunca saber o que é chegar e conseguir. Nesse espectro, a monogamia era a sala de espera para mim. Lá está, é uma sala de espera completamente diferente da faixa “Quando For Para Ir”, ou da “Hoje Não é Ontem”. 

O que é que significa a frase que encerra a canção “Na Chuva” — “Faz de mim puta, que ao sujar sou pura”?

Essa pergunta é muito perigosa, vou-te explicar porquê. Por exemplo, uma vez fiz um espetáculo de dança contemporânea, com a Nazaré e com o guitarrista Afonso Albuquerque. Eram duas bailarinas a improvisar sobre a música que nós tocávamos. No final da peça, alguém perguntou ao Afonso se a performance tinha algum significado. E ele respondeu que não. Com essa resposta, arriscas-te a retirar à pessoa o significado que ela arranjou. Por isso é que acho que é sempre ultra-delicado dizer o que é que uma frase quer dizer, porque tenho medo de poder roubar uma interpretação. Por isso, e tentando não ser específico, essa frase significa que às vezes é preciso lutar na lama para se chegar a sentir puro e limpo. 

Gostas de dar significado às coisas? 

Sim. Estou a tentar desprender-me e tentar não dar tanto significado às coisas. Adoro, e adoro ver artistas a fazê-lo, porque muitas vezes o nonsense tem imenso espaço para a interpretação. A música da Nazaré é muito assim. Não digo que seja sem sentido de todo, mas, pelas letras dela, consegues tirar mil interpretações. Em BILOBA, sinto que às vezes também consegues, mas o espectro é menor.

Acho curioso porque parece-me que és o único. Estou-me a lembrar que o que Simão Bárcia, o guitarrista, cria com a banda Cíntia é mais abstrato. Vocês discutiram em conjunto os conceitos das canções? 

Pouco. Eles mexem muito pouco nas minhas letras. A única que mexe é a Nazaré e é para corrigir prosódias. Em termos de conceito, eles dão-me liberdade total para explorar a letra. 

Mas eles tentam reproduzir através da melodia as emoções que tentas transpor para as letras?

Sabes que quando lançámos o single “Quando For Para Ir”, o Diogo [Lourenço] disse-me: “Estive a ouvir a letra e está muito boa.” E eu disse: “Tu nunca ouviste a letra quando estávamos a compor ou a gravar? Podia estar a dizer que adorava nazis e tu estavas nesta banda.” Por isso, acho que às vezes a malta cola-se mais ao mood que a música tem. Eu tento colar-me com a letra e tento que não seja algo muito contrastante — a não ser que seja com um propósito, como a “Amor em Tempos de Guerra”. O sentido da letra é horrível, vamos todos morrer, mas valeu a pena. E depois estamos todos a dançar, porque o instrumental é confortável. Ali, o contraste é de propósito.

Na “Partes de Um Céu” há uma guitarra portuguesa tocada por Manuel João Matos. Porque é que escolheram acrescentar o instrumento à faixa?

É a prova viva de que o Instagram funciona. Há muitas pessoas que ainda não repararam nisto, mas a “Partes de Um Céu” tem a mesma harmonia do “Invenções”, canção do EP. Quando ele [Manuel João Matos] fez um cover de guitarra portuguesa a tocar o “Invenções” com uma melodia nova, lembro-me de que já estava a compor para o Sala de Espera, e pensei: “Porque é que não faço isto outra vez?” Fizemos só a mesma ideia outra vez, com uma nova melodia e com a jam que já fazíamos antes nos concertos.

Disseste há bocado que não é uma continuação porque tu quiseste afastar-te do EP. Mas esta canção é uma continuação. 

Sim, há uma continuação, mas veio de um sítio, se calhar, um bocado mais modesto. Ou seja, não houve esta conceptualização. Não faz sentido estar a fingir que não foi uma pena, porque esta melodia resultava muito bem com a jam. Tinha-te dito que queria cortar com o primeiro EP, mas acho que a “Invenções” é uma boa referência ao que já foi feito. Sinto que há uma identidade no EP e no álbum. Mas, ao mesmo tempo, também sinto que são mesmo diferentes. O disco é mais sofisticado do que o EP.  Menos cru. É uma homenagem bonita aos BILOBA do passado.

Vão tocar no Musicbox no dia 2 de abril. O que é que podemos esperar desse concerto?

Vai ser incrível, porque vamos juntar muita gente que está a gostar do álbum e que, de alguma maneira, se identifica com isto. Vai ser uma celebração de sentirmos todos o mesmo. Vamos estar todos numa sala de espera. A cantar e a celebrar juntos. Isso é bonito. Ver nos outros para estarmos a sentir a mesma coisa. Acho que é uma maneira lindíssima de combater a solidão e de celebrar um trabalho que demorou dois anos a ser feito — os concertos em geral, não este em específico. Estarmos todos na mesma sala a ver uma cena que só vai acontecer uma vez. Vai ser mesmo grande a festa e vamos dar tudo. 

E haverá uma artista que irá projetar imagens durante o concerto, certo?

É a Rita Caldeira. Ela tem trabalhado connosco durante imenso de tempo. Há dois anos, também no Musicbox, ela fez o mesmo no lançamento do EP. Ela tem projeções muito lindas, e realizou o vídeo do “Amor em Tempos de Guerra”. Por isso, vai ser um espetáculo visual e musical.


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