Já houve um bbb hairdryer a solo e hoje, depois de algumas mutações, é uma banda a três, com Elisa sempre na voz e na guitarra, mais o (novo, e agora parecendo fixo) suporte rítmico de Francisco (aka HIFA) e Miguel (aka Chinaskee). Outros aspectos sofreram transformações pelo caminho deste projecto com cinco anos de vida, do mesmo modo que todes nós, individualmente, vamos mudando, seja mais ou seja menos.
O grupo vai apresentar-se no próximo dia 19 de Janeiro num dos espaços mais emblemáticos do país, o Maus Hábitos. Óptima oportunidade para sabermos o que são, hoje, estxs bbb hairdryer, e para onde irão depois de um disco que teve a importância de Kingdom Hearts II Final Mix: pretty generic radio pop with a few fucks and edgelord lyrics, com o seu retrato da “depressão queer”.
De projecto a solo a banda, o que mudou na fórmula bbb hairdryer? Por exemplo, notei que tu, Elisa, eras mais performativa quando te apresentavas a sós em concerto, detendo-te pelo meio em explorações sónicas com a guitarra, os pedais e gravações do teu telemóvel, mas que em grupo tudo se centra nas canções…
[Elisa] Não sei se alguma vez cheguei a uma fórmula para escrever canções, e acho que ainda bem. Acho que o que se passou na transição solo/banda nos alinhamentos anteriores a este é que, como live performance, não se ensaia, ou se tem muita química entre elementos ou essa layer perde-se um pouco. Demorou até encontrar pessoas para me acompanharem na parte mais experimental, mas tocar com o Francisco (HIFA) e com o Miguel (Chinaskee) mudou muito as coisas!
[Francisco] Sinto que, com o tempo, tanto eu como o Miguel vamos percebendo cada vez melhor como contribuir para criar a ambiência do lado performativo, mas é sempre difícil encontrar um sweet spot entre o fazer alguma coisa e o não fazer demasiado.
Elisa, já designaste o vosso pop-punk indie como queercore, recuperando um termo que foi caindo em desuso. Como entendem esse “guarda-chuva” em que muita coisa já se abrigou e por que achas pertinente utilizá-lo hoje?
[Elisa] Queercore talvez não tanto no sentido sónico (eu uso powerchords uma vez num disco todo, kakaka), mas sim enquanto energia/presença/atitude. Não quero chamar a minha música de punk se há betinhos do Restelo a fazer música e a designá-la como punk. Queria um espaço para mim, queria poder fazer parte de alguma coisa que não estivesse já toda mijada por dudes.
Consideras então que há uma música queer, não enquanto estilo diferenciado mas como um modo-de-estar na música, que se manifesta de alguma maneira nas composições, nas letras e no desempenho em palco…
[Elisa] Sim.
Algo que caracteriza bbb hairdryer é o factor lo-lo-fi, um lo-fi levado quase ao extremo, acompanhado por uma certa “displicência” punk. É a vossa forma de resistir à super-produção da pop, incluindo a pop queer?
[Elisa] Apesar de talvez já ter tido essa característica, de momento o projecto encontra-se muito diferente da estética lo-fi, to be honest.
Encontro uma vertente emo nos temas que compões, regra geral depressiva e escura, com a particularidade de haver referências ao satanismo (já definiste a vossa música como “satanic trans guitar shit”). Explicas?
[Elisa] Acho que é muito daqueles casos de if you get it you get it, if you don’t you don’t. Ainda não consegui calar aquela teenager que escrevia os hooks mais tristes e corny do mundo nas mesas da escola. Em relação ao satanismo… está escrito no meu mapa que sou uma bruxa, não fui eu que escolhi. Sempre tive um carneirinho a olhar para mim no escuro. Satan knows my name and she got my number.
Ao mesmo tempo, nota-se nas letras que há muita ironia e muito sarcasmo, como que desmontando o positivismo bacoco, normativo e muito português que resultou dos tempos da troika e da crise económica e depois da pandemia. É isso?
[Elisa] Eu costumava ser mais irónica e sarcástica antes. Está tudo muito diferente agora e acho que o novo material está a empurrar-me para outras maneiras de escrever.
Essa característica emo já foi lida pelos media como um retrato da “depressão queer”. Concordas?
[Elisa] Os media sabem lá o que é ser queer ou ter depressão.
O factor “trans” parece ser determinante nas canções bbb hairdryer. É assim?
[Elisa] Não estou aqui para brincar, já há música que chegue no mundo. Se não tiver nada para dizer prefiro estar calada.
Por falar nas canções: num tempo em que se valida o que é novidade, tu/vocês fazem questão de as maturar, de pegar nelas de modos diferentes ao longo dos anos, de as fazer circular até terem uma forma definitiva. Não tens/têm pressa, não se juntam à corrida. Que motivos existem para este “não vou por aí”?
[Elisa] Opah… estamos em Portugal, que corrida é que há? Queríamos ser a banda mais loud, mas já o são os Hetta. Se houver uma corridinha, onde é a meta? No Paredes? Kakaka.
[Francisco] Eu acho que esta questão do maturar não foi algo muito ponderado, só aconteceu. Pessoalmente, já toquei baixo duas vezes no projecto antes de voltar a ele agora, e nenhuma delas resultou numa gravação por um motivo ou por outro. Foram precisos cinco anos para as condições se reunirem finalmente, e nesses cinco anos as músicas foram mudando porque, na minha opinião, a natureza musical da Elisa mudou também, e, não sendo elas lançadas, foram mudando com ela.
Sabendo que todes es músicxs têm referências, podem enumerar as bandas e artistas que vos inspiram de alguma maneira (ou que vos levam a não querer ir pelos mesmos caminhos), e dizer porquê em cada caso?
[Elisa] Lingua Ignota (she’s my mother); Grouper (she’s my sister); Ethel Cain (she’s my bestie).
[Francisco] Pensando especificamente em bbb: Sunn O))) pelas muralhas sonoras; Deftones porque são perfeitos imaculados; Amenra pela jarda emocional que me espeta nos cornos; G.L.O.S.S. porque são perfeitas imaculadas.
[Miguel] My Chemical Romance <3; Nirvana; Car Seat Headrest.
Até que ponto consideram a vossa música como interventiva e política, se bem que de modo diverso do da “canção de protesto” dos anos 1960/70?
[Elisa] Quem me dera ter tido uma banda barulhenta assumidamente trans para dar o look up to em Portugal enquanto crescia. Para além disso, acho que, at the end of the day, estamos só a fazer música e a tentar sentir coisas.
[Francisco] Ya, é isso, acho que cria representatividade, o que às vezes é o que basta para mais coisas germinarem à volta. Mas fora a identidade inerentemente queer das músicas que traz consigo uma carga política, não acho que seja pensado como algo criado no contexto da música de intervenção. Independentemente disso, o capitalismo tem de ser destruído.
O choque e a provocação são estratégias para vocês?
[Elisa] Não. Estamos só a tentar sentir coisas, como disse há pouco. As pessoas estão convidadas a senti-las connosco e podem sempre sair quando quiserem.
O que se segue para bbb hairdryer? Há planos e expectativas para o futuro a curto e médio prazos?
[Elisa] Estamos de momento a escrever músicas novas. Não há nada conclusivo, mas acho que vamos estar meio que ocupades em 2023!