A música electrónica é muitas vezes sinónimo de dança, mas aquilo que leva aos movimentos coordenados pode surgir de vários lugares. Pode ser por causa da cadência — uma batida acelerada e uma calorosa sucessão de notas podem chamar os moves mais inspirados. Pode ser por causa daquela música que tão bem conhecemos e queremos abanar o corpo ao som desse tema familiar. Ou pode ser pura libertação, dançar de olhos fechados e mente aberta, instados por temas que fazem muito mais do que tirar os pés do chão, que nos levam a voar sem nunca nos afastarmos do sistema de som. E ainda que a música de Waleed se inclua em todas essas categorias, é especialmente através da terceira que o seu talento se mostra.
Apesar de actualmente viver em Berlin, Zachary Waleed Saraf cresceu em Washington DC. De ascendência iraquiana e porto-riquenha, a sua música absorve as suas raízes e transforma-as em música electrónica emotiva. Em 2015, concluiu um curso de informática na prestigiada universidade de Stanford, e o seu tempo é dividido entre bater código e compor música electrónica. É curioso que tenha escolhido esse curso, pois há qualquer coisa da rigidez computacional na sua produção. São canções fluidas mas organizadas, nota-se a mão de um criativo convicto na sua arte. O seu primeiro tema surge em 2021 — “Se Rompen” é uma introspectiva e dançável viagem, com linhas vocais quebradas e sintetizadores espaçosos auxiliados por uma percussão competente e cabisbaixa. Ouvimos Floating Points e Burial no meio da engenhosa criatividade de Waleed, mas especialmente Four Tet — há uma sintonia com a música desse artista britânico. Mas ainda que Saraf trilhe por um caminho inspirado pelo que o antecedeu, os passos são definitivamente seus.
Seguiu-se a mais esperançosa “Sueños” de ribombantes teclas. Ouvimo-lo mais seguro na sua ordenada aleatoriedade, mas o sentimento agridoce e emocional que caracteriza a sua obra continua presente. Está a descobrir-se enquanto ajuda outros a descobrirem-se no meio de sintetizadores e drum loops. Em 2023, lança “Diario”, gravada em Sevilha com a cantora espanhola Clyde. A artista lê uma entrada do seu diário ao longo do instrumental saudosista, e a música reage às palavras confessionais, mostrando as suas valências nos momentos de silêncio e complementando o temor de Clyde em estar sozinha. É a música mais experimental de Waleed até este momento, intrincada e virada para dentro, abraçando a melancolia que a inspira.
Depois de três sólidos temas, no final de 2024 Waleed colaborou com o artista Villager no potente EP Big Fish. Com pouco mais de 20 minutos, os dois levam-nos numa viagem complexa, começando pela espectacular “Big Fish Eat Little Fish”, uma canção de melodias simples rodeadas por pormenores fantasmagóricos, que vai ficando progressivamente mais atarefada até culminar num excelente abrir de sintetizadores com muito grão. “Pig” é indutora de ansiedade no melhor dos sentidos, há algo agradavelmente desconfortável nos seus glitches, um tema “sujo”, raspado e fugaz. Já “Stitch In Time Saves Nine” e “301” são os temas mais universais do EP, duas faces da mesma moeda que escorregam uma para a próxima de maneira ordenada. A emotiva abordagem de Waleed soa mais contida que na sua obra a solo, mas vê-lo abraçar a colaboração é a prova de um artista cada vez mais confortável com a sua pegada sonora, disposto a explorá-la ao lado de outros artesãos da música electrónica.
Ainda em 2024, Saraf volta à carga com MAGDALENA, o seu EP de estreia. O destaque vai para a descontraída faixa-título, que utiliza um sample de “Guataquí (Berroche)”, uma música da artista colombiana Martina Camargo. Há um caos muito jovial, como se fosse a versão sonora de um jogo da macaca a velocidade supersónica, que deixa o ouvinte de sorriso nos lábios e apressados movimentos nos pés. “Thinking” é sem dúvida um tema ao estilo de Waleed, ponderado e meditativo, à semelhança da nostálgica e atarefada “Now Go Be a Kid Again” ou da tímida “Storytime”, de batida ameaçadora amainada pela leveza das suas melodias. Ouvimo-lo numa jornada mais experimental pela mão de músicas como “Tonight” ou “Outro”, que fecha o EP em grande forma, repetindo o mesmo motivo sem nunca se tornar monótona e alternando eficazmente entre vários momentos. MAGDALENA é uma amostra completa do potencial de Waleed, ouvimos inovação e o aprimorar da sua sonoridade característica, deixando água na boca para o que virá a seguir.
A música de Waleed surge das entranhas da cidade para complementar o mundo natural e convida a epifanias em selvas de cimento. É orgulhosamente digital, mas assemelha-se a algo biológico, algo que cresce. É fragmentada, por vezes indecifrável, o proveito está nos pés mas não é preciso dançar para chegar à sua característica fundamental, a empatia. Puxa por algo familiar, emoções inerentes a qualquer ser humano. E a melhor música é aquela que melhor destila a experiência humana, ressoando com algo que está dentro de todos nós.