Quais são as principais qualidades que um produtor musical deve ter? O talento tem de estar lá, mas ninguém nasce ensinado, são precisas muitas horas de trabalho para puxar a carroça da inteligência musical. O conhecimento daquilo que o rodeia também é importante, o que se anda a fazer, o que já se fez e o que aponta para o futuro. E há uma característica que é fulcral para o trabalho de um produtor com outros artistas: a sua capacidade de saber ler as pessoas, traduzir os desejos dos artistas em ritmos e melodias em sintonia com essa visão. E no que toca a Lunn, confirmam-se todas estas qualidades.
Manel Morgado não é nenhum novato nestas andanças. Cresceu numa família de artistas e recebeu a primeira bateria aos 10 anos. Não largou as baquetas durante uma década, passando por várias bandas, serpenteando por géneros como metal, indie e punk. Infelizmente, esses projectos ficaram pelo caminho, mas a sua curiosidade e amor pela música manteve-se resoluto: trocou o bombo e as tarolas por computadores e DAWs, já com uma bagagem musical que ficaria para a vida.
Depois de três anos num curso intensivo e autodidacta de Ableton Live, surgiu o primeiro projecto, CCC. Editado no final de 2018, esta beat tape é o ponto de partida para perceber a produção musical de Morgado. O seu percurso enquanto baterista tornou-o especialista em saber ocupar o espaço sonoro, e nesta estreia em nome próprio, ouvimos um projecto orgânico, com beats aéreos, mas muito atarefados. Sediado na música electrónica, aliando uma sensibilidade pop a uma experimentação frenética, CCC é uma procura do movimento sonoro perpétuo.
Em 2021, a electrónica de Lunn ganha uma nova roupagem através do projecto colaborativo com Harold — engenhoso rapper dos extintos GROGNation. Mãe Um Dia Eu Ganho Um Diamante é um disco em que a abordagem musical de Morgado se funde com hip hop, numa produção discretamente competente, que dá espaço aos que por cima dela discorrem para se libertarem. Não é inócua mas sim flexível, formando um EP que deve muito ao trap, em que as valências melódicas e de construção musical de Lunn transparecem e rivalizam a entrega metódica de Harold. Além deste projecto, Lunn iniciou em 2021 uma parceria que continua até aos dias de hoje, colaborando com L-ALI em vários dos temas do EP Raramente Satisfeito.
Foi com L-ALI e outros artistas que Morgado fundou a MUNNHOUSE em 2022, uma casa de produção criativa no seio de Lisboa que conta com um elenco recheado de talento, composto por nomes como xtinto, João Maia Ferreira, Kidonov ou Beiro. Há muito empreendedorismo por trás da MUNNHOUSE, uma procura em estabelecer parcerias frutíferas com criativos de vários caminhos diferentes, uma visão holística do processo musical. E mostra que a ambição de Lunn não se fica pelos instrumentais.
2023 foi um ano muito ocupado para Morgado. Além de contar com várias participações no fulminante Latência de xtinto e de colaborar em SENSOREAL, álbum de estreia de Rita Vian, inscreveu o seu nome no EP Balanço, em que se atirou para a pista de dança na companha de L-ALI. Este projecto é um exemplo da cumplicidade entre os dois artistas, especialmente evidenciado na delícia percussionista de “Retina”. A produção de Lunn começa aqui a ganhar contornos mais quentes, uma efervescência calorosa que é cada vez mais uma imagem de marca do seu trabalho. Mas o passo mais importante da carreira de Lunn chega com o lançamento do seu primeiro single em nome próprio, “Eclipse”. Com letras de Ellanor, L-ALI e xtinto, o sample saudosista de cordas mantém-se altivo no meio de 808s pisados, com uma batida cirurgicamente adequada a cada um dos convidados. Chama-nos para dançar sem nunca verdadeiramente o fazer, mais um bom exemplo de como Morgado sabe acolchoar um espaço, munido de uma panóplia de percussões que se ouvem como pequenos detalhes que nunca passam despercebidos.
Com “Nada”, Lunn abriu o novo ano em boa forma, acompanhado da voz doce de JÜRA, uma música que se transfigura ao longo da sua duração, metálica mas convidativa, pronta para afastar o Inverno e chamar o Sol com afinco. Com um disco de estreia planeado para breve, afigura-se que 2025 será mais um ano atarefado para este artista e a sua produção multifacetada.