Na última música do álbum de estreia de JÜRA, ouvimo-la dizer: “Eu emociono-me quase a mim própria. Eu ‘tou a olhar à volta e estou feliz”. O projecto da artista portuguesa nascida Joana Silva sempre foi baseado nas suas emoções, é nos seus sentimentos que se inspira para detalhar o que escreve tão intensamente. A própria maneira como diz estas palavras revela um sentir mais forte: ouvimos a sua a voz a tremer, ouvimos as lágrimas de felicidade na sua voz. E tal e qual como as emoções que pintam a tela sonora de JÜRA, a sua música é intensa, presente e expansiva.
A vocação para as artes sempre esteve lá, mas a etapa sonora chegou mais tarde. Antes, Silva ainda passou por um curso de Ensino Articulado de Dança e pelo Chapitô. A sua expressão é multifacetada e tem muitas transformações, mas todas informam o seu percurso actual e moldam-no. O primeiro single surge em 2020: “És o Amor” é um tema de pop tradicional, discreto, de alguém ainda a descobrir a sua voz. É uma ode a um amor eterno e incondicional, cantada de forma jovial. Um ano depois “somozumnãodois” apresenta ao mundo uma das principais valências de JÜRA: o seu timbre docemente acolhedor. Enrola as palavras na língua, discursa de forma calorosa e convidativa, expressa-se através de melodias de notas imóveis que ganham contornos mais flexíveis quando proferidas pelas suas cordas vocais.
O seu primeiro projecto surge em 2022: jüradamor é um EP tímido, de alguém que está a tocar suavemente com os pés na água e a observar de forma inocente as ondulações que provoca. “nua”, despida de armaduras, oferece a garantia de uma entrega total e é munida de um hook caramelizado que faz render sem sombra de dúvidas a maior das dietas. Em “diz-me”, exige segurança no amor que partilha, mas fá-lo com um tom de veludo. São assuntos de gente séria comunicados de forma deliciosamente descontraída.
No seu EP seguinte, rés.tu, ouvimo-la mais introspectiva, a chorar o final de uma relação, como a dolorosa e acelerada “últimobeijo” tão bem demonstra. A entrega da artista neste trabalho é expressivamente mais fúnebre do que aquilo que o antecedeu, mas o objectivo de JÜRA continua bem presente: traduzir de forma simples conceitos que soam emaranhados e complexos na sua mente, emoção vinda directamente do seu coração que é destilada em canção.
A linha entre a escrita e a emoção esbate-se nas músicas de JÜRA, mas também na própria maneira como escreve. Vemo-la aglutinar palavras nos títulos das canções, nos posts nas redes sociais, numa tentativa de aproximar a fala da escrita. É uma escolha estética interessante que alimenta o universo musical da artista, composta por projectos dolorosos que funcionam como poderosa catarse para a sua autora. Mas ao ouvirmos sortaminha, o álbum de estreia de JÜRA lançado este mês, podemos dizer com confiança que a dor ficou no passado.
O foco agora é o amor, e a descarga emocional avassaladora e curativa que advém de uma grande paixão. A sua relação com o rapper L-ALI serve de base para este amoroso projecto, é ele a musa de JÜRA. Ouvimo-los de mãos dadas em “+”, uma dança apaixonada entre duas pessoas que se completam e trazem o melhor de si ao de cima. Mas não só de amor se faz uma pessoa, e o álbum conta também a história de um percurso de aprendizagem e crescimento pessoal. “coração” ensina-nos de forma intimista que é preciso protegermo-nos antes de nos entregarmos e a brilhante “ficocomigo” é o manifesto de alguém que se entregou completamente assim mesmo. Na tropical “tu”, reflecte sobre o seu percurso e sobre a constante construção pessoal em que cada um deve investir, porque “procurar cura curar vai”. Ouvimos uma pessoa mais madura, mais segura de si mesmo, inspirada por um amor partilhado mas cada vez mais singular na sua música.
O que torna este projecto num dos mais interessantes lançamentos pop em português dos últimos tempos é também a intrincada mestria dos seus instrumentais. O contraste entre o aguerrido banger “transparente” e a recatada balada “voltsó” muito deve à equipa mágica de que JÜRA se rodeou, e que conta com nomes como DØR, miguele, NED FLANGER, Luar, João Maia Ferreira ou Beiro. É um elenco de luxo e o resultado final está à vista de todos: pop versátil, focada e ambiciosa, despida de preconceitos e desprezando géneros e barreiras.
Sentimos o amor da sua autora em sortaminha, mas também a sentimos no auge da sua existência, em sintonia consigo mesma e em simbiose com o que a rodeia. Ouvimos refrões repetitivos mas nunca monótonos, instrumentais orelhudos e que dão gosto desvendar uma e outra vez. No centro de tudo, está JÜRA, uma pessoa que sente muito e que partilha ainda mais.