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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 28/06/2024

Na última sexta-feira de cada mês, Miguel Santos escreve sobre artistas emergentes que têm tudo para tomar conta do mundo da música.

Abram alas para… Joey Valence & Brae

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 28/06/2024

Numa altura em que o trap é rei, importa salientar de que o hip hop não enfrenta uma crise de crescimento, apenas uma crise de exposição. Com as luzes firmemente apontadas para o género com origem em Atlanta nos Estados Unidos, há muita coisa que continua a fervilhar na escuridão. Todos os dias há música nova que vale a pena descobrir e que nos convida a entrar numa atmosfera não saturada pelo auto-tune e pela consagração dos trappers tornados rappers. Hoje, é a vez de nos afastarmos dessa estética e falarmos de Joey Valence & Brae.

Depois de se conhecerem no primeiro ano da faculdade, os norte-americanos Joseph Bertolino (Joey Valence) e Braedan Lugue (Brae) depressa se tornaram amigos e começaram a trabalhar em música juntos. Começaram por escrever letras parvas com o intuito de terem piada, mas com o primeiro single “Crank It Up” a piada deixou de ser privada para passar a ser do mundo. Aquando do seu lançamento em 2021, o tema depressa somou milhares de visualizações no TikTok e embora o sucesso tenha tido a sua origem nas redes sociais, temos de fazer scroll para trás em várias décadas até chegarmos à sonoridade que a canção referencia. Há uma comparação inescapável com os Beastie Boys, seja pelo flow tresloucado e agudo dos dois rappers ou pela batida que nos lembra o glorioso passado do hip hop. Mas as suas letras joviais e com humor e a sua atitude descontraída lembram-nos as barras dardejantes de Eminem no seu auge, carregadas de veneno que arranca risadas.

Seguiu-se “Underground Sound” com o seu sedutor sample de flauta, e começava a formar-se a ideia de que este revivalismo vinha de um lugar especial e não era apenas uma tentativa vã de ganhar notoriedade com aquilo que o precedeu. A sonoridade do duo é instantaneamente reconhecível para todos aqueles que estão embrenhados na história do hip hop, mas transparece também um cunho pessoal de duas pessoas que o fazem para homenagear e nunca para plagiar. No meio de risadas, ouvimos uma miríade de referências a animes e videojogos, adaptando uma estética sonora old school a gírias e vocábulos do presente. O seu primeiro trabalho, The Underground Sound, surge em 2022 e percebemos que nos projectos de Joey Valence & Brae respirar é só no final. É um EP jovial com muita energia, e sons como a já referida “Crank It Up” ou a frenética “Double Jump” – tema com direito a performance no The Ellen Show — são sons destinados a actuações ao vivo. As letras não são extremamente sapientes, mas perfeitamente adequadas à música do duo. Estavam assim lançadas as bases para a carreira de Joey Valence & Brae.



Não foi preciso esperar muito tempo para a sequela. PUNK TACTICS aterrou em 2023 com estrondo, que o diga a faixa-título. Neste trabalho, ouvimos uma expansão do leque sonoro do duo, evidenciado por músicas como a acelerada “GUMDROP” ou a guerreira “STARTAFIGHT”, cujo baixo possante traz o punk para a música electrónica e mostra-se completamente pronta para o moche. Continua a existir espaço para a parvoíce — “STREET PIZZA” e “CLUB SANDWICH” são exemplos disso — mas Bertolino e Lugue não são parvos nenhuns: temas como “DROP!” ou “HOOLIGANG” mostram que conseguem fazer uma música com uma progressão bem encadeada em pouco mais de dois minutos, com mudanças de beat surpreendentes e inesperadas. Além disso, PUNK TACTICS é um aprimorar de uma boa química entre os dois rappers, um primeiro trabalho que os colocou no radar de grandes nomes do hip hop mainstream, nomeadamente Logic, que aparece para dar uma mãozinha em “TANAKA 2”.

Pode parecer que Joey Valence & Brae estão sempre a bater na mesma tecla. Mas NO HANDS, lançado no início deste mês, prova que isso não é verdade. A palavra-chave é fusão, desde o primeiro momento do álbum: “BUSSIT” é uma agradável junção entre o velho e o novo, com uma tarola reverberante a ser abafada por sintetizadores graves e abrasivos, com direito a um interlúdio de jungle; “WHERE U FROM” com as suas vozes alteradas remonta-nos ao trabalho de BROCKHAMPTON ou Tyler, the Creator; em “THE BADDEST”, encarnam o crunk de Lil Jon aliado a um instrumental vintage; “NO HANDS” arrefece os ânimos em grande estilo, com scratches imperiais e um refrescante sample de jazz que acompanha versos de consagraçã; e “WHAT U NEED” traz as barras para a pista de dança. Mostram que estão num caminho singular e colaboram com outro rapper familiarizado com caminhos singulares: a ameaçadora “PACKAPUNCH” conta com o eclético Danny Brown, uma inspiração indirecta para este duo que lhes demonstra que, no que toca a seguir o instinto musical, não há decisões erradas, apenas oportunidades desperdiçadas.

NO HANDS é um álbum em que as valências de produção se destacam, há instrumentais mais inventivos e exploratórios. As barras não são profundas, mas nem todas têm de o ser. Transparece que Joey Valence & Brae não se levam demasiado a sério, mas é errado pensar que não trabalham incansavelmente. São músicas curtas, de rápido consumo, impulsionadas pelas redes sociais e por um público com um défice de atenção. Mas este energético duo conseguiu capturá-la eficazmente. Se o trap é onde o hip hop está, ainda há aqueles que vão à procura de onde o hip hop esteve. E nesse campo, poucos são aqueles que o fazem com tanto afinco como Joey Valence & Brae.


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