Por vezes, um percalço no caminho pode ser o augúrio de um novo percurso. Quando as coisas não correm como deviam, nem sempre devemos desistir do objectivo. Vejamos o caso da jovem norte-americana Chenayder. Com a escola cancelada por causa da pandemia, decidiu dedicar-se à música enquanto as aulas não recomeçavam. O resultado é uma prova de que de uma coisa má pode surgir uma ideia promissora.
A artista nativa de Orlando, no estado da Flórida, começou por escrever alguns poemas que a levaram até à mesa de produção. Começou a musicar as suas letras por diversão e a primeira música surge em 2020. “Bethany” foi partilhada no Soundcloud e a sua sonoridade rudimentar já denotava algumas das valências musicais de Chenayder: a sua voz plástica, que se molda ao que a música pede e a sua afinidade para batidas intrincadas e com progressões detalhadas. Dois anos depois, chega o seu primeiro e pacato estrondo. “Fall” aterra em Dezembro de 2022 com uma soturnidade típica deste mês frio, uma balada lo-fi descontraidamente tristonha que nos deixa arrebatados em menos de dois minutos. Ouvimos alguns laivos de Arlo Parks na voz da artista, mas o que se nota mais é uma aproximação a uma sonoridade que nos remonta a outros tempos.
O segundo single que lançou continua essa tendência. A adorável “My My” fala-nos de um amor proibido com uma sonoridade vintage que precede a sua autora por décadas. E alguns dos melhores momentos de Chenayder são quando traz este tipo de música para o presente, com o seu próprio cunho e a sua teatralidade vocal. Esse é um dos atributos do seu EP de estreia Blue Oblivion, em temas como “See Ghosts”, com fantasmas na letra e saudade no instrumental, ou “Strawberry Perfume”, que combina ritmos acelerados com teclas nostálgicas de forma eficaz. No entanto, o potente single “Off the Wall” mostra que os pés continuam bem assentes no presente. A música tem uma progressão bem construída, uma viagem com critério, algo que falta em temas como “Save U” ou “Sweatshirt”. Blue Oblivion é um EP discreto, uma coletânea de lo-fi, bedroom pop e sons de outrora que demonstra o potencial de Chenayder.
Em Junho de 2024, Chenayder lançou o seu segundo EP, Maybe In Another Life. Um dos destaques é, sem dúvida, “Colors” e a sua groove imperial, em que ouvimos um baixo muito gingão em batalha com a voz com grão de Chenayder. Mas “Levels” também merece ser referida pela maneira como a artista dança ao som de sons de cordas agudas, mostrando-se pronta para o próximo passo, atitude também demonstrada em “Obsession”, em que as teclas cavalgantes espelham uma atitude resoluta. E não seria um projecto de Chenayder sem um abraço à nostalgia, aqui representado por “Goodbye”. O instrumental é despido, mas ouvem-se muitos detalhes que emprestam o seu brilho ao piano, e os arranjos vocais que circundam a melodia principal amparam o choro disfarçado. Neste projecto, ouvimos uma abordagem mais polida, com mais atenção à simbiose entre a voz e o instrumental, e com detalhes interessantes a nível das batidas, um claro crescimento artístico de Chenayder.
O EP termina com “Finally”, um triunfal e calmo momento de consagração acompanhado por piano e samples de gospel. A artista aproveita o final do projecto para reflectir sobre até onde chegou. Tudo isto começou com uma pandemia e hoje Chenayder divide-se entre a escola, as tours e o tempo no estúdio. Neste novo e acertado caminho que ela própria trilhou, não há tempo a perder.